quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Peregrino do amor

Dezesseis de outubro de 1978. Pela primeira vez em quatrocentos e cinqüenta e cinco anos, os cardeais da Igreja Católica Romana, em conclave no Vaticano, elegem um Papa que não é italiano. O nome dele: Karol Woytila.

Uma grande surpresa. Um papa que não era italiano. Além disso, com seus 58 anos, o polonês Woytila era de certa forma bastante jovem. E talvez o mais curioso de tudo isso tenha sido o fato de que os cardeais reunidos levaram apenas três dias para a decisão e para expelir a fumaça branca pela chaminé, como sinal aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro de que a escolha havia sido feita.

Mas quem foi Karol Woytila? Sabe-se que um dia ele trabalhou em um fábrica, que escreveu vários contos e que lutou ao lado da resistência polonesa na Segunda Guerra Mundial. Ele foi ordenado padre em 1946, mas sua estrela começou logo a subir, tornando-se em seguida sufragâneo (Auxiliar de Bispo), o mais jovem membro do Episcopado da Polônia. Em 1964 assumiu o posto titular, para três anos mais tarde ser eleito cardeal pelo papa Paulo VI.

Durante as três primeiras semanas de seu papado, João Paulo II emite sinais contraditórios, criando uma imagem que seria a marca registrada durante o resto da sua vida.

Mas há o outro lado da moeda: o novo líder da Igreja Católica Apostólica Romana resulta ser um papa verdadeiramente conservador. Bem antes de declarar o fim das inovações litúrgicas, os padres foram ordenados a usar novamente as golas pretas e as freiras a usar o hábito. Os teólogos que se desviassem das veredas estreitas podiam esperar uma reprimenda.

Evidentemente que a Holanda, com sua tendência ao liberalismo e resistência a qualquer tipo de autoridade, seria um calo no sapato do Vaticano. Em 1980, o Papa João Paulo II, já irritado, tomou uma decisão sem precedentes ao convocar um Sínodo Especial do Episcopado Holandês. Por algum tempo, a natureza das discussões permaneceu envolvida de mistério. Seria o Bispo Johannes Mathijs Gijsen - um conservador - o motivo do desagrado do Papa, ou ele teria sido convocado a colocar os outros sacerdotes no eixo? Pouco se sabia do que acontecia a portas fechadas, exceto que a palavra "comunio" era repetidamente mencionada. É neste mesmo espírito de comunhão que o papa João Paulo II se dirigiu aos bispos no final do Sínodo Especial.

Não levou muito tempo até que se ficou sabendo que o Sínodo não havia resolvido nada, mesmo que os bispos holandeses tenham feito de tudo para sugerir o contrário. Entretanto, João Paulo II demonstra seu desejo de atacar os problemas existentes, segundo ele, no seio da Igreja, tornar-se mais acessível ao público, viajar pelo mundo e ir ao encontro das pessoas. A cada semana números recordes de fiéis reúnem-se na Praça de São Pedro. No dia 13 de maio de 1981, ele levou um tiro no momento em que cumprimentava uma multidão que o rodeava.

Quatro dias depois João Paulo estava de volta. Falando do seu leito, o Papa declarou à Radio Vaticano que perdoava seu agressor. Os motivos do ataque permaneceram obscuros. Seria o autor Ali Agca, um agente do serviço secreto da Bulgária? Ou estaria cumprindo ordens da União Soviética, que via no Papa polonês uma ameaça ao comunismo? O caso continua inexplicado. O que se sabe é que o Papa, em seu próprio país, desempenhou um papel importante na luta contra o Comunismo. Ele se pronunciava com freqüência e viajava para a Polônia, onde as comemorações religiosas e procissões se converteram em manifestações políticas.

Em seu país, João Paulo II é se dúvida um fator político. Mas em qualquer outro contexto ele se opõe ao envolvimento de sacerdotes na política. Durante sua visita à Nicarágua, ele humilhou o padre e poeta Ernesto Cardinal que, na função de ministro do Gabinete, foi enviado para recebê-lo.

Seja como for, o Papa segue sua jornada, com a mesma mensagem: a família é a base da sociedade, a sexualidade fica restrita ao matrimônio e não é para o prazer, mas para a procriação somente e o uso de contraceptivos está fora de cogitação, até mesmo para a África, onde a Aids atinge níveis ameaçadores.

Mas João Paulo II é mais que simplesmente um conservador e devoto líder da Igreja tentando desesperadamente lutar contra a secularização com valores e convicções ultrapassadas. Ele é também um homem que tem a coragem de atacar temas altamente delicados sobre o passado de Igreja.

Em 1998, ele pede publicamente perdão pelo papel dúbio que a Igreja Católica desempenhou durante o Holocausto. Ele reconhece publicamente os erros cometidos no passado, desde as atrocidades ocorridas durante as Cruzadas até a intolerância da Igreja para com outras religiões. Ele demonstra coragem ao visitar a Terra Santa em 2000. Ele demonstra sua sincera simpatia para com as vítimas do Holocausto de um lado e, de outro, suas preocupações com os palestinos e sua situação turbulenta. Um ano depois ele foi o primeiro papa a visitar uma mesquita durante sua visita a Damasco. No templo muçulmano ele pregou maior tolerâncias e reconciliação entre cristãos e muçulmanos.

Ele se desculpou pelos abusos sexuais cometidos por sacerdotes. E apesar de estar com a idade avançada e enfraquecido pelo mal de Parkinson, ele ainda tentou ser um mediador para evitar a guerra contra o Iraque, qualificando-a de uma "derrota para a humanidade".

Rejeitado por muitos católicos no Ocidente pelo seu conservadorismo exasperado, em vários países do Leste Europeu, em particular sua pátria Polônia, ele será lembrado como um papa destemido, amável, que enfrentou o comunismo, circulou entre pessoas simples e cantou com elas durante suas muitas viagens.

  • Papa João Paulo II

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